quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Estágio, no foco certo

Paulo Nathanael Pereira de Souza*

O ponto fulcral do conceito de estágio é de uma clareza cristalina, embora seja sempre relegado a segundo plano por aqueles que, por desinformação ou má fé, confundem alhos com bugalhos, misturando problemas e soluções na tentativa canhestra de camuflar graves desacertos ou situações críticas. O bom estágio é o que enriquece o aluno com uma experiência que o ajuda a definir sua opção profissional futura, com acréscimos de saberes advindos da aplicação prática da aprendizagem escolar. O fato de episodicamente haver desvios em sua operacionalização – por omissão da escola ou impropriedade da empresa – não põe em xeque sua importância na formação do aluno. Proferi essa afirmação em recente entrevista concedida a um jornal paulista de grande circulação e repito-a aqui por lançar, com serenidade, a luz correta sobre a questão. E, mais, por ser a única visão que privilegia o interesse do jovem, ao contrário de certas posturas corporativistas (no pior sentido da palavra) ou manipuladoras (motivadas até por conveniência eleiçoeira) ou, o que é pior, por absoluta despreocupação com o destino de milhões de estudantes que deixam a escola, carregando um diploma que não os qualifica para enfrentar a competição pelo ingresso no mercado de trabalho.

Para desfazer a confusão que, intencionalmente ou não, cerca o conceito de estágio, basta examinar as principais críticas disparadas, mas não comprovadas por estudos com o mínimo de respaldo técnico ou científico. Permitindo-me um parêntese, classifico essa postura como um dos exemplos mais bem acabados do “achismo”, essa praga nacional que descarta certezas e consagra meras opiniões pessoais como fundamento para tomada de decisões que afetam a vida de milhões de brasileiros. Voltando ao nosso tema, a alegação de que o estágio não se caracteriza como etapa de aprendizagem, constituindo contratação de mão-de-obra disfarçada, é improcedente. Institutos de competência técnica indiscutível constataram, por meio de pesquisas criteriosas, que mais de 90% dos estudantes que fazem estágio atestam o benefício agregado por essa experiência prática à sua formação. Por isso, insisto em repetir que o estágio é irmão siamês do trabalho e da educação. Mas que, apesar dessa estreita ligação, ele se situa indiscutivelmente no âmbito da educação, tanto que a lei sabiamente coloca a instituição de ensino freqüentada pelo jovem como mandatária dessa relação e dos termos do contrato que define o treinamento que o jovem receberá na empresa que abrir as portas para que ele dê, com a supervisão de um profissional experiente, os primeiros passos no mercado de trabalho. O resultado para o estudante? Pesquisa do instituto InterScience revelou que 64% dos estagiários são contratados como funcionários efetivos após o primeiro ou segundo período de experiência.

Some-se essa realidade ao fato de que o desemprego no Brasil tem como causa o ritmo lentíssimo do desenvolvimento econômico e o despreparo dos desempregados para preencher os requisitos mínimos para trabalhar dentro dos padrões atuais de produção, e estarão identificados os maiores fatores das longas filas de profissionais em busca, sem sucesso, de uma vaga. São esses os alvos que deveriam ser visados, caso se pretendesse realmente agir para reduzir o desemprego, sem necessidade de abrir baterias contra o estágio que, em relação ao universo dos trabalhadores brasileiros, corresponde a menos de 1%.

A lei que rege o estágio data dos anos 70 e, como todos os instrumentos que regulam realidades dinâmicas (aliás, poucos campos serão tão dinâmicos como o mercado de trabalho), deve ser modernizada para atender às mudanças de cenário. Mas essa atualização precisa ser feita com cautela, discernimento e, principalmente, conhecimento de causa, sob pena de retirar de milhares de jovens a oportunidade de se educar melhor e de aprender mais. Isso sem falar da importância – também confirmada por pesquisas – da bolsa-auxílio para assegurar a renda indispensável para que boa parcela deles se mantenha na escola, evitando a sina de tantos filhos de camadas menos favorecidas que são retirados dos estudos para garantir a sobrevivência da família.

Com uma bagagem de 43 anos de convivência com o jovem na delicada etapa de inclusão no mercado de trabalho, o CIEE busca sempre atuar para aprimorar a qualidade dos estágios. Mas reconhece que, para uma solução definitiva, há apenas um caminho: melhorar sensivelmente a qualidade do ensino formal, hoje no patamar vergonhoso dos últimos lugares no ranking de desempenhos, seja qual for a perspectiva da avaliação. O mercado se queixa de que recebe das escolas médias e superiores alunos mal preparados e pessimamente formados, grave deficiência que levará algumas gerações para ser corrigida, prazo que começará a ser contado a partir do momento em que a educação for eleita a prioridade das prioridades nacionais e, como tal, vier a receber maciços investimentos, destinados a aplicações corretas, estancando as torneiras da corrupção, do desperdício e da má gestão de recursos. Enquanto isso, seria bem mais produtivo estimular práticas que contribuem para aumentar a empregabilidade dos jovens estudantes, do que investir contra o estágio, numa postura equivocada que confunde solução (estágio) com o problema (desemprego).

*Paulo Nathanael Pereira de Souza é doutor em educação e presidente do Conselho de Administração do Centro de Integração Empresa-Escola - CIEE

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