terça-feira, 16 de outubro de 2007

A comida do seu prato está diferente, globalizada?

Fonte: CITEN - Centro Integrado de Terapia Nutricional

Para celebrar o Dia Mundial da Alimentação - 16 de Outubro – é preciso entender as mudanças dos hábitos alimentares no Brasil, influenciadas pelas mudanças globais


O hambúrguer ou o refrigerante? Qual destes dois ícones, a juventude do Japão, dos Estados Unidos, da Rússia e do Brasil escolheriam como símbolo dos dias de hoje? Mesmo em meio a muitas diferenças culturais, provavelmente, a decisão seria praticamente unânime... Os dois teriam uma margem de votos muito parecida. Se por um lado, a globalização amplia a diversidade alimentar, por outro também a reduz, uma vez que faz circular um mesmo leque de opções alimentares em todos os recantos do mundo.

As implicações sociais, econômicas, culturais, e, por fim, na própria saúde, estão envolvidas no processo de alimentação das nações nos dias de hoje. Quem ousaria pensar, há 50 anos atrás, que a obesidade seria um problema social mais relevante do que a desnutrição? Quem poderia prever que a produção de alimentos em larga escala, com o início do cultivo dos transgênicos, não seria mais um desafio para os povos? Quem poderia supor que um cineasta poderia fazer o Mac Donald’s rever suas orientações nutricionais no mundo todo? Quem poderia imaginar que a Justiça determinaria a internação, a revelia da família, de uma adolescente que sofre com um distúrbio alimentar, no Brasil? Quase ninguém...

“E é neste mundo evoluído e complexo que tentamos incutir na cabeça das pessoas a idéia de que o alimento é o primeiro remédio. Mais do que isto, de que a alimentação é um dos pilares da saúde do homem moderno. Os alimentos são poderosos. Podem nos dar momentos de felicidade e de frustração, nos engordam ou emagrecem. A nossa opção alimentar revela claramente nossa personalidade e nosso modo de viver e conviver,” afirma a endocrinologista Ellen Simone Paiva, diretora do Centro Integrado de Terapia Nutricional.

Segundo a médica, hoje, ao receber um paciente na sua clínica, ela se depara com um novo desafio: oferecer mais orientação e informação do que medicamentos e dietas. “É preciso conscientizá-lo sobre a importância de cultivar hábitos simples e milenares, como tomar o café da manhã, almoçar e jantar. É preciso orientá-lo sobre suas escolhas alimentares: alertá-lo para os perigos dos alimentos que são consumidos nas ruas ou informá-lo sobre a sua responsabilidade ao encher o carrinho de compras da família no supermercado”, afirma Ellen Paiva.

O paciente dos dias de hoje busca apoio e subsídios para estabelecer uma relação mais equilibrada com a comida e para conviver com as ameaças de epidemias de obesidade, de doenças cardiovasculares e do diabetes tipo 2. Não basta mais fazer uma lista com as 10 dicas para se alimentar bem ou com os 10 alimentos proibidos numa dieta...

Entendendo as mudanças

É preciso conhecer as principais mudanças alimentares ocorridas no prato do brasileiro, nos últimos anos, para saber quais as implicações nutricionais que “os novos tempos” trarão à saúde da população.

-Aumento no consumo de refrigerantes

Os primeiros comerciais da coca-cola, no final do século passado, vendiam um produto indicado para casos de dor de cabeça e esgotamento físico. Nos primeiros 50 anos, seu desempenho comercial foi discreto. Entretanto, durante a Segunda Guerra, o refrigerante alcançou popularidade mundial, utilizando o lema “onde estiver um soldado americano terá uma coca-cola por cinco centavos de dólar”. Neste período, a empresa conseguiu instalar, com a ajuda do governo norte-americano, engarrafadores em todos os cantos do mundo. No Brasil, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e Bebidas Não-Alcóolicas, ABIR, os brasileiros consumiram mais refrigerantes na metade deste ano do que no mesmo período de 2006. A produção de refrigerantes aumentou em 5,6%, sendo que em abril e maio a taxa ultrapassou a média, chegando a mais 10%. Durante todo o ano de 2006, foram produzidos 13 bilhões de litros de refrigerante. Nos seis primeiros seis meses de 2007, já foram 7,8 bilhões.

Principais implicações nutricionais: Segundo a nutricionista do Citen, Amanda Epifanio, “a descoberta da relação de causa e efeito do consumo de refrigerantes com a epidemia de obesidade e diabetes tipo 2, principalmente em crianças e adolescentes, é incontestável. Além disso, o consumo exagerado de refrigerantes está relacionado com dietas ricas em calorias e pobres em nutrientes, principalmente leites e derivados, acarretando deficiência na ingestão de cálcio, tão importante nessa faixa etária”, diz.

- Consolidação do fast-food

O fast-food é o principal fenômeno de consumo no mundo moderno. O termo foi criação dos irmãos Richard e Maurice Mc Donald, no final da década de 40. O drive-in que possuíam, desde 1937, passou por uma reformulação que buscava maior racionalidade no serviço. Decidiram fazer da velocidade a essência do seu negócio e, para isso, acabaram com o atendimento personalizado, em que cada cliente poderia sugerir alterações no produto, segundo a sua escolha. O novo conceito de lanchonete foi logo imitado por outros empresários no mundo todo. Hoje, o fast food é a solução para o que se refere à alimentação no período de trabalho das grandes cidades do mundo. No Brasil, o consumo de hambúrguer iniciou-se com a rede de lanchonetes Bob’s, na década de 50, em Copacabana. Na França, o início dos fast-foods é bem posterior, quase vinte anos mais tarde. Os jovens eram, no início, o principal público destes estabelecimentos. Com o passar do tempo, as crianças foram também seduzidas por este mercado. Hoje, o símbolo de marketing do Mc Donald’s é um palhaço...

Principais implicações nutricionais: Segundo a diretora do Citen, Ellen Paiva, “a invenção dos sanduíches das redes de fast-food alterou o comportamento alimentar das famílias de todas as classes sociais, principalmente nos finais de semana, e o dos jovens, de uma maneira geral, que passaram a ter este tipo de refeição como um hábito”, afirma. Segundo a endocrinologista, esses alimentos seduzem pelo excesso de sal e gordura, associação altamente palatável e que agrada a todos, deixando muito sem graça o nosso prato tradicional: arroz e feijão. “Além disso, esses alimentos são ricos em gordura saturada e hidrogenada, os dois piores tipos de gordura da refeição, responsáveis pela elevação do colesterol precocemente e pelas altas cifras de obesidade em nossas crianças e adolescentes”, explica a médica.

- O self-service

A política de alimentação e os restaurantes para trabalhadores na década de 40 resultaram numa transformação dos hábitos alimentares. Os bandejões, inicialmente uma novidade, tornaram-se a forma mais comum de servir os alimentos nos restaurantes das empresas. Hoje, o ramo dos self-services é bastante disputado. De acordo com o Sebrae-SP, existiam, em 2005, cerca de 800 mil estabelecimentos deste tipo no país - o dobro do registrado em 2000 - 2,5 mil restaurantes por quilo somente na capital paulista.
Principais implicações nutricionais: Para Amanda Epifanio, “os restaurantes self-services são uma alternativa ao fast-food. Pelo serviço rápido e barato, oferecem às pessoas a chance de escolher e compor pratos diversificados. Além disso, proporcionam o consumo do arroz com feijão ou suas diversas opções de substituição”, defende a nutricionista.

- A gordura trans

Nos últimos anos, órgãos reguladores do mundo todo vêm normatizando a ingestão dos alimentos ricos em gorduras trans. Estados Unidos e Brasil saíram na frente, determinando a inclusão no rótulo dos alimentos da quantidade de gordura trans que existe em cada um deles. Isso possibilitará uma compreensão mais ampla e segura da ingesta de gordura trans. A recomendação para ingestão de gorduras trans é empírica e da ordem de 1% do valor calórico total da dieta, o que totaliza cerca de 2,0g de gordura trans por dia em uma dieta de 2000 calorias. Desse total, 1,0g já é proveniente dos alimentos naturais, especialmente carne bovina e laticínios, restando apenas 1,0 g para ingerirmos a partir de alimentos industrializados.

Principais implicações nutricionais: Para a endocrinologista Ellen Paiva, “a descoberta da gordura hidrogenada para nos livrar dos efeitos deletérios da gordura saturada foi um grande fiasco. Isso porque a gordura hidrogenada se mostrou muito mais prejudicial à saúde do que a gordura saturada”, afirma a médica. A pior implicação nutricional da gordura trans é, segundo a médica, seu efeito duplo no aumento do colesterol ruim (LDL colesterol) e a diminuição do colesterol bom (HDL colesterol), estando essa dupla alteração relacionada ao risco de doenças cardiovasculares de ocorrência precoce. Além disto, algumas evidências tem mostrado a relação entre o aumento do consumo da gordura hidrogenada e um tipo de obesidade que ocorre preferencialmente na região abdominal e que está associada ao diabetes tipo 2, hipertensão arterial e doenças coronarianas em adultos e crianças.

- A refeição não é mais um ritual

A rotina da vida moderna provocou uma dissolução crescente dos rituais que acompanham o ato alimentar. A vida nas cidades grandes minimizou a importância do ato alimentar. Parece não importar muito o que se come, com quem se come e como se come. O típico habitante da cidade grande come no intervalo de almoço um sanduíche, ou um pedaço de pizza e bebe um refrigerante, sozinho e de pé, no balcão de alguma lanchonete. Talvez esta seja uma das razões pelas quais procuramos satisfação onde não a poderemos encontrar, ou seja, na quantidade de comida ingerida. O trabalho orienta e dá os significados das formas de se alimentar da vida moderna. O que se objetiva não é mais a confraternização, mas a economia de tempo.

Principais implicações nutricionais: Segundo a diretora do Citen, “a refeição que mais sofreu com o trabalho nas grandes empresas foi o almoço, que passou a ser trocado por lanches ou beliscos, muito rápidos, calóricos e indigestos, acarretando no aparecimento de problemas digestivos variados, desde gastrites e doenças do refluxo gastro-esofágico até constipação e sensação de empachamento”, explica Ellen Paiva.

- Alimentos enriquecidos

Vitaminado. Enriquecido com ferro. Mais vitaminas e sais minerais. Rico em fibras. Não há como negar que todos esses apelos, sempre em destaque nas embalagens alimentícias, chamam a atenção. Os consumidores são atraídos por essas palavras nos rótulos. Aumentar o poder nutritivo dos alimentos industrializados é uma forte tendência do momento. Para se ter idéia, nos Estados Unidos, esse mercado movimenta cerca de 15 bilhões de dólares por ano. No Brasil, ainda não existem números exatos, mas pela quantidade de novos produtos do gênero que chegam aos supermercados, constantemente, por aqui o volume também é grande. Esta tendência começou nos anos 60, quando surgiram os primeiros estudos que apontavam que gordura e açúcar em excesso podem prejudicar a saúde. A partir daí, a corrida da indústria alimentícia para desenvolver produtos mais saudáveis avançou consideravelmente.

Principais implicações nutricionais: “É extremamente reconfortante para os pais a idéia de poder comprar biscoitos enriquecidos com vitaminas para os filhos que não comem legumes e frutas. Na verdade, essa prática incentiva a substituição de alimentos frescos pelos industrializados, que além das vitaminas, têm muito sal e gordura, nutrientes nocivos à saúde”, afirma Ellen Paiva. Porém, quando a suplementação tem o objetivo de repor carências nutricionais em situações especiais, como, por exemplo, carência de cálcio em pessoas com doenças ósseas, o alimento vitaminado tem grande importância na prática clínica e pode contribuir na prevenção de doenças endêmicas, como a anemia.

- Comida congelada

Alimentos congelados são saudáveis? Muitas pessoas ainda se fazem essa pergunta, cerca de vinte anos depois que o freezer entrou na casa dos brasileiros. Hoje, praticamente tudo pode ser congelado: carnes, aves, peixes, pizzas, sopas, feijoadas, massas, tortas, pães, legumes. Até molhos, bolos, musses, salgadinhos, docinhos e diversas receitas prontas ou pré-prontas.

Principais implicações nutricionais: Ellen Paiva explica que “a possibilidade de cozinhar maiores volumes de alimentos e congelá-los para serem consumidos a longo prazo é bem vinda nos lares onde as mulheres evitam a solução pouco saudável dos deliveries e a monotonia dos lanches”, diz. Entretanto, alerta a médica, a comida congelada industrializada não difere da maioria dos alimentos industrializados, ou seja, não é equilibrada quanto aos nutrientes, contém maiores proporções de gordura, em relação aos carboidratos e menores quantidades de vitaminas, o que a torna imprópria para o consumo diário.

- Alimentos funcionais

Ferro contido no feijão, vitaminas nos legumes, frutas e verduras, licopeno do tomate, isoflavona da soja, fibras da aveia... As pesquisas já comprovaram o poder dos alimentos funcionais para a prevenção de inúmeros males. O desafio, agora, é saber o que exatamente - e quanto - cada um de nós deve colocar no prato para ter esses benefícios e garantir uma vida mais longa e saudável. Mas será que incluir novos sabores às refeições ou se alimentar diariamente com representantes da alimentação funcional são garantias de vida longa e saudável?

Principais implicações nutricionais: “A maior garantia de vida longa e saudável é o consumo de uma alimentação variada, rica em fibras, com gorduras, principalmente do tipo insaturadas e finalmente em quantidades adequadas ao alcance e manutenção do peso ideal. Dessa forma, garantimos a ingestão de vários tipos de alimentos, incluindo os funcionais”, defende a nutricionista do Citen, Amanda Epifanio.

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