Por Paulo Nathanael Pereira de Souza
Doutor em educação e presidente do Conselho de Administração do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE)
Noto que algo está mudando no Brasil em relação à educação – e para melhor – , principalmente na mídia, que já não centra seu noticiário apenas no catastrofismo escolar, mas parece começar a perceber que a crise há muito instalada tem remédio, e que esse remédio está ao alcance das próprias escolas e sua comunidade de dirigentes, professores, alunos e familiares. Afinal de contas, já não é sem tempo essa mudança de enfoque, que vai da crítica negativa à sugestão de procedimentos simples e viáveis, capazes de acender algumas velas onde, antes, prevalecia a escuridão. E o que é melhor, já não se fala em reformas extensas e complexas, como até há pouco se fazia, notadamente no que diz respeito à educação superior. Reformas tão inúteis, quão enganosas, porque os males do ensino superior, em sua maior parte, não passam de heranças malditas recebidas do ensino básico, que não mais se sabe para que existe, nem o que nele se deve ensinar e como fazê-lo.
O problema brasileiro em educação não se encontra prioritariamente no ensino superior, mas no fundamental e médio, cuja grande performance nos últimos tempos não ultrapassou essa coisa louca de, numa ponta, apanhar os analfabetos puros para, na outra, devolvê-los à sociedade como analfabetos funcionais. É isso o que mostram todas as avaliações nacionais, estaduais e até internacionais (Saeb, Enem, Prova Brasil, Pisa, etc.), para vergonha nossa e, o que é pior, para o comprometimento do futuro desta nação, que terá no seu comando elites que, por força de sua formação inadequada, poderão meter os pés pelas mãos na tomada das decisões de interesse estratégico para o país.
Realmente – e isso parece começar a ser percebido pelos analistas --, não é de reformas que precisamos (aqueles articulados quilométricos, que ficam nas declarações do texto legal, sem chegar às salas de aula, e que refletem viezes ideológicos e preconceituosos de técnicos de gabinete, encarregados de sua elaboração). Leis sobre educação temos de sobra e a atual Lei de Diretrizes e Bases (LDB) é, no essencial, correta e satisfatória quanto aos caminhos que indica para a educação: mister se faz cumpri-la e, de preferência, com criatividade e competência no âmbito das escolas, com o apoio e a assistência dos órgãos superiores do sistema que, na sua centralização de poderes, têm mais perturbado do que viabilizado a qualificação dos procedimentos educativos.
Há ações que poderão melhorar em muito o desempenho das escolas, sem necessidade de novas leis. Em recente seminário realizado no Rio de Janeiro, que reuniu quase um milhar de educadores, tive oportunidade de elencar algumas dessas ações que, pela sua simplicidade, podem, sem mais delongas, ser tentadas pelas comunidades escolares em benefício de seus alunos. É o caso de: 1) enxugar e atualizar os atuais currículos em vigor; 2) didatizar os procedimentos docentes, na linha da visão holística dos conhecimentos, com a integração dos conteúdos programáticos; 3) preparar os alunos, mediante a pesquisa bibliográfica, a leitura habitual de jornais e revistas e o acesso sistemático à internet, para o exercício de um autodidatismo inteligente, com vistas à educação permanente pós-diploma; 4) assegurar clareza e correção gramatical na comunicação escrita e oral e na leitura; 5) dar ao aluno capacidade de raciocínio matemático e destreza nas operações básicas; 6) nunca transmitir aos alunos formulações teóricas e abstratas, que não se possam acompanhar de demonstrações práticas de aplicabilidade; 7) enriquecer o currículo com experiências externas, integradas ao plano de ensino, na forma de visitas a locais interessantes, excursões, freqüência a exposições, concertos musicais, indústrias, museus, e outros pontos de apoio ao saber; 8) avaliar periodicamente o progresso dos alunos na aprendizagem, e estudar reposições aos mais lentos no aproveitamento; 9) criar conselhos mistos de professores e pais de alunos para discutir as dificuldades enfrentadas pela escola, em reuniões mensais, para substituir as desgastadas associações de pais e mestres; 10) intensificar, na escola ou em clubes e áreas comunitárias, as atividades esportivas e recreativas para os alunos e seus familiares, etc., etc., etc.
Mister se faz, no entanto que as secretarias e os conselhos de Educação apóiem e estimulem essas mudanças, trocando sua ótica predominantemente burocrática de regramento e controle de cada escola, por uma atitude mais pedagógica e permissiva do uso da liberdade de criação por parte de diretores e professores. Ao mesmo tempo, haveria que estimular as faculdades de educação a formar professores para o uso da liberdade, da inovação e do empreendedorismo pelos alunos, e que os governos buscassem, com prioridade, devolver a dignidade aos mestres, pagando-os com melhores salários, e dando-lhes condições mais adequadas ao desenvolvimento do seu fazer pedagógico. Afinal, só se formarão cidadãos livres, com escolas onde reine maior liberdade de ensino (sem prejuízo, é claro, da qualidade) no dia-a-dia do exercício profissional dos docentes.